Condomínio empoderado: novo Código Civil permite expulsão de moradores antissociais e dificulta Airbnb

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O Código Civil não traz atualmente a previsão para mandar embora moradores problemáticos: apenas a possibilidade de multá-los em até dez vezes o valor da cota, mediante aprovação de três quartos dos condôminos. Além de permitir a expulsão, o projeto reduz o quórum necessário para aprovar as multas e a retirada do morador antissocial, que passaria a ser de dois terços da assembleia.
Tanto no texto atual quanto no projeto, o comportamento antissocial é definido como aquele reiterado e responsável por gerar “incompatibilidade de convivência com os demais condôminos”. Segundo a proposta no Congresso, a expulsão deve ser considerada quando as multas se mostrarem insuficientes para frear o mau comportamento. Mas ela deverá ser aprovada por um juiz, que proibirá a entrada do ex-morador.
As regras sugeridas vão mudar o rumo de disputas atualmente travadas nos tribunais, onde nem sempre há um ponto de vista mais aceito, como no caso dos vizinhos antissociais. Um caso que teve repercussão levou a juíza Laura de Mattos Almeida a determinar que a aposentada Elizabeth Morrone deixasse o seu apartamento em São Paulo por comportamento antissocial.
A ação, movida pelo condomínio, aconteceu na esteira das insultos racistas feitas por Morrone contra o humorista Eddy Júnior, seu vizinho. Um vídeo do episódio, ocorrido em 2022, mostra a aposentada referindo-se ao comediante como “macaco” e “imundo”, enquanto tenta expulsá-lo do elevador. Morrone recorreu da sentença e ainda mora no prédio.
Em 2021, a 34ª câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu que a locatária de um apartamento da capital não poderia ser impedida de morar nele por falta de amparo legal, mesmo apresentando comportamento agressivo. Um ano antes, a 4ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal havia decidido que a expulsão de um morador de Águas Claras, que incomodava vizinhos com xingamentos, sujeira, barulho e o mau cheiro do imóvel, só poderia ocorrer após votação em assembleia.
Para Diego Basse, advogado autor da ação do condomínio contra Morrone, a possibilidade de expulsão consolidaria uma jurisprudência que já vem se formando no país:
— O procedimento fica mais objetivo, mas quem vai analisar e dar a última cartada será sempre o Judiciário. Apenas ele pode decidir que alguém será privado de sua propriedade.
Diretor jurídico da Associação Brasileira das Administradoras de Imóveis (Abadi), Roberto Bigler avalia que a medida pode ter bons resultados, mas ainda poderá ser tema de alterações nos tribunais:
— Dúvidas surgirão e os juristas irão elaborar e criar interpretações. Nem todas as condições a lei consegue prever — diz Bigler. — Mas a tendência é que exista maior pacificação na vida condominial, pois a sanção é clara.
A expulsão limita um dos elementos que caracterizam a condição de proprietário segundo a lei: a faculdade de usar o bem. Mas caso isso venha a ocorrer, o morador retirado ainda poderia alugar o imóvel ou vendê-lo, de acordo com o texto da reforma. O professor de Direito Civil da Uerj Daniel Cervasio considera que a norma soluciona uma controvérsia que há atualmente:
— Há uma limitação da propriedade sem previsão legal. No momento, não há segurança jurídica.
O artigo 1.337 prevê a possibilidade da reversão dessa decisão, caso uma nova deliberação seja feita pela assembleia. Cervasio avalia que análises devem ser feitas caso a caso:
— Às vezes temos pessoas com condições especiais, que não podemos sair tirando de casa. A tolerância deve ser preservada.
Caso o texto seja aprovado como está, o morador expulso não poderia participar de assembleias nem votar, assim como os inadimplentes. Bigler diz que o “avanço de poder do condomínio” em relação a quem pode participar das decisões coletivas eliminaria dúvidas que existem hoje. Mas para Cervasio, a medida pode ter pouco impacto, já que há uma tendência de devedores deixarem de participar das assembleias:
— O inadimplente costuma ficar constrangido — argumenta o professor da Uerj, para quem a medida é positiva apenas se recair sobre aqueles cuja única dívida é com o condomínio, e não no caso de pessoas altamente endividadas, em processo de recuperação judicial ou de falência: — Se o condômino estiver em um processo de reestruturação de dívidas, não vejo cabimento.
Airbnb
O projeto de reforma do Código Civil também transforma o que hoje é exceção em regra, ao tratar das hospedagens temporárias por plataformas digitais como o Airbnb. Em 2021, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que condomínios residenciais podem proibir a prática em suas convenções. A nova proposta proíbe a “hospedagem atípica” — a não ser que o condomínio estabeleça essa permissão na convenção.
— Se aquela comunidade entender que cabe ali uma hospedagem atípica, ela pode inserir uma cláusula permitindo. É importante essa flexibilidade, porque os empreendimentos vão mudando a sua destinação específica ao longo do tempo — avalia Bigler.
Em prédios mais recentes, construídos após a popularização desses serviços, as normas internas já tendem a estar adequadas ao que prevê a proposição.
— Condomínios novos que nascem para investidores já vem com essa previsão na convenção. Até por ser o perfil de quem vai comprar, o prédio tem a cara dessas plataformas — acrescenta Basse, para quem a maioria dos condomínios não poderia admitir Airbnb por não ter essa previsão expressa — os condôminos teriam que se articular para mudar isso.
Fonte: oglobo.globo.com