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A Ausência de Regulamentação Interna em Condomínios

A Ausência de Regulamentação Interna em Condomínios

 

Guia completo de como Síndicos, Condôminos e Administradores Devem Agir à Luz da Legislação Brasileira

 

Introdução

A vida em condomínio é uma realidade para uma parcela significativa da população brasileira, trazendo consigo a necessidade de um convívio harmônico e organizado entre múltiplos proprietários e moradores.

Para tanto, a existência de um conjunto claro de regras internas, materializado principalmente na Convenção Condominial e no Regimento Interno, é fundamental.

Estes documentos são os pilares que sustentam a gestão condominial, estabelecendo direitos, deveres, procedimentos e sanções, e servindo como o principal guia para a resolução de conflitos e para a manutenção da ordem e do bem-estar coletivo.

Contudo, não são raros os casos em que condomínios, especialmente os mais antigos ou aqueles que passaram por processos de instituição irregulares, se encontram em uma situação de vácuo normativo, operando sem uma Convenção devidamente registrada ou com um Regimento Interno inexistente, desatualizado ou não aprovado formalmente.

Essa carência de regulamentação interna pode gerar um cenário de incertezas, insegurança jurídica e, consequentemente, um terreno fértil para desentendimentos e litígios entre os envolvidos.

 

Diante dessa problemática, surge a questão central

Como devem proceder os Síndicos, na sua função de gestores e representantes do condomínio; os Condôminos, como titulares de direitos e obrigações; e as administradoras, como prestadoras de serviços de apoio à gestão, quando confrontados com a falta de regulamentação interna?

A ausência desses instrumentos normativos específicos não significa um “vale-tudo” ou a inexistência de qualquer baliza legal.

Pelo contrário, a legislação brasileira, notadamente o Código Civil (Lei nº 10.406/2002) e a Lei nº 4.591/64 (Lei de Condomínios e Incorporações), oferece um arcabouço jurídico geral que supre, em grande medida, essa lacuna, fornecendo as diretrizes mestras para a administração, o uso das áreas comuns, a contribuição para as despesas e a resolução de conflitos.

 

Esta matéria visa aprofundar o conhecimento sobre como esses atores devem se portar nesse contexto desafiador, explorando as bases legais que regem a vida condominial na ausência de normas internas específicas, analisando as consequências práticas dessa carência e apresentando caminhos para a regularização e para a gestão eficaz, mesmo diante da informalidade.

Serão abordados exemplos práticos de conflitos comuns e como a legislação geral pode ser aplicada para sua mediação e solução, oferecendo um guia prático e juridicamente embasado para Síndicos, Condôminos e administradoras que buscam segurança e clareza em suas relações condominiais.

 

A Importância da Convenção Condominial e do Regimento Interno

 

Os Alicerces da Convivência

Antes de adentrarmos nas soluções para a ausência de regulamentação, é crucial compreender a função e a relevância da Convenção Condominial e do Regimento Interno.

Estes documentos não são meras formalidades burocráticas, mas sim os instrumentos jurídicos que estabelecem o “contrato social” daquela microcomunidade.

 

A Convenção Condominial, conforme preceitua o artigo 1.333 do Código Civil, deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e, para ter validade contra terceiros, deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.

Ela é a lei maior do condomínio, estabelecendo sua estrutura e funcionamento.

 

Nela, devem constar, obrigatoriamente (art. 1.334 do Código Civil e art. 9º da Lei 4.591/64):

• A discriminação e individualização das unidades de propriedade exclusiva, estremadas umas das outras e das partes comuns;

• A determinação da fração ideal atribuída a cada unidade, relativamente ao terreno e partes comuns;

• O fim a que as unidades se destinam (residencial, comercial, misto);

• A quota proporcional e o modo de pagamento das contribuições dos Condôminos para atender às despesas ordinárias e extraordinárias do condomínio;

• Sua forma de administração;

• A competência das assembleias, forma de sua convocação e quórum exigido para as deliberações;

• As sanções a que estão sujeitos os Condôminos, ou possuidores;

• O regimento interno.

 

Percebe-se, portanto, que a Convenção é o documento que institui formalmente o condomínio, define suas características essenciais, a forma de rateio das despesas, as regras para as assembleias e a estrutura administrativa.

Sua ausência ou irregularidade compromete a própria existência formal e a segurança jurídica do condomínio.

O Regimento Interno, por sua vez, é um detalhamento da Convenção, focado nas normas de conduta e convivência do dia a dia.

 

Enquanto a Convenção trata de aspectos mais estruturais e permanentes, o Regimento Interno disciplina questões como:

• Uso das áreas comuns (piscinas, salão de festas, churrasqueiras, academias, playgrounds, garagens);

• Horários de silêncio e para realização de obras e mudanças;

• Normas para a posse e circulação de animais de estimação;

• Regras para descarte de lixo;

• Procedimentos para reserva de espaços comuns.

 

O Regimento Interno, embora possa estar contido na Convenção ou ser um documento à parte, necessita de aprovação em assembleia, geralmente com o quórum estabelecido na própria Convenção ou, na omissão desta, seguindo as regras gerais do Código Civil para alteração de convenção (dois terços dos Condôminos, conforme art. 1.351).

A Súmula 260 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabelece que “A convenção de condomínio aprovada, ainda que sem registro, é eficaz para regular as relações entre Condôminos”.

Isso significa que, mesmo não registrada, se aprovada pela massa condominial, ela tem força vinculante entre os moradores.

No entanto, o registro é crucial para sua oponibilidade contra terceiros e para a regularidade formal do condomínio, permitindo, por exemplo, a obtenção de CNPJ e a abertura de conta bancária em nome do condomínio.

 

A falta desses documentos, ou sua elaboração de forma inadequada, gera um ambiente de incerteza.

  • Como definir o rateio das despesas?
  • Como punir um Condômino infrator?
  • Como regular o uso da piscina ou do salão de festas?
  • Quem tem legitimidade para convocar uma assembleia e quais os quóruns para deliberação?

Essas são apenas algumas das questões que se tornam problemáticas sem uma Convenção e um Regimento Interno claros e válidos.

 

O Código Civil e a Lei nº 4.591/64:

A Bússola na Ausência de Normas Internas

Quando um condomínio opera sem uma Convenção ou Regimento Interno formalmente estabelecidos e válidos, não se instala um completo vácuo legal.

A legislação brasileira, ciente da complexidade das relações condominiais, estabeleceu um conjunto de normas gerais que servem como alicerce e guia para essas situações.

O Código Civil, em seu Capítulo VII (“Do Condomínio Edilício”, artigos 1.331 a 1.358), e a Lei nº 4.591/64, naquilo que não foi revogado ou modificado pelo Código Civil, são os principais diplomas legais que oferecem essa sustentação.

 

O Código Civil como Norma Primária

O Código Civil de 2002 modernizou e consolidou muitas das regras anteriormente dispersas ou tratadas de forma menos sistemática.

Seus artigos dedicados ao condomínio edilício são de aplicação cogente, ou seja, obrigatória, e prevalecem sobre disposições de convenções que lhes sejam contrárias, a menos que a própria lei permita flexibilização (autonomia da vontade das partes).

 

Na ausência de uma Convenção, diversos aspectos da vida condominial são diretamente regidos pelo Código Civil:

 

• Direitos e Deveres dos Condôminos (Arts. 1.335 e 1.336)

Mesmo sem um regimento detalhado, o Código Civil é claro ao elencar os direitos básicos, como usar, fruir e dispor de sua unidade, e usar as partes comuns conforme sua destinação, desde que não exclua a utilização dos demais.

Igualmente, estabelece deveres fundamentais, como contribuir para as despesas do condomínio na proporção de suas frações ideais (salvo disposição diversa em convenção inexistente no caso), não realizar obras que comprometam a segurança da edificação, não alterar a fachada e não utilizar suas partes de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos demais.

 

• Administração e o Papel do Síndico (Arts. 1.347 e 1.348)

O artigo 1.347 prevê a eleição de um Síndico, que pode ou não ser Condômino, com mandato não superior a dois anos, permitida a reeleição.

O artigo 1.348 detalha as competências do Síndico, como convocar assembleias, representar o condomínio, dar conhecimento à assembleia sobre procedimentos judiciais ou administrativos, cumprir e fazer cumprir a lei (na falta da convenção e regimento), diligenciar a conservação das áreas comuns, elaborar orçamento e prestar contas.

Essas atribuições legais são a base da atuação do Síndico mesmo sem uma convenção que as detalhe ou amplie.

 

• Assembleias (Arts. 1.350 a 1.355)

O Código define a obrigatoriedade de uma assembleia anual para aprovação de orçamento, contas e eleição de Síndico (art. 1.350).

Estabelece também quóruns para deliberações importantes.

Por exemplo, para alteração da convenção (que no caso seria a sua instituição), o art. 1.351 exige aprovação de 2/3 dos votos dos Condôminos.

Para obras úteis, a maioria dos Condôminos (art. 1.341, II); para obras voluptuárias, 2/3 dos Condôminos (art. 1.341, I).

Na ausência de regras específicas na convenção sobre convocação e quóruns para outros assuntos, aplicam-se as disposições gerais do Código.

 

• Despesas Condominiais e Inadimplência (Art. 1.336, §1º)

A obrigação de contribuir para as despesas é inerente à condição de Condômino.

O §1º do art. 1.336 estabelece que o Condômino inadimplente fica sujeito aos juros moratórios convencionados ou, se não previstos (o que seria o caso na ausência de convenção), aos de 1% ao mês e multa de até 2% sobre o débito.

Esta é uma base legal para a cobrança mesmo sem uma convenção que especifique a multa e os juros (respeitando esses limites legais).

 

• Uso Anormal da Propriedade e Condômino Antissocial (Art. 1.336, IV e Art. 1.337)

O inciso IV do art. 1.336 proíbe o uso da propriedade de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança.

O art. 1.337 trata do Condômino ou possuidor com reiterado comportamento antissocial, que gera incompatibilidade de convivência, permitindo a aplicação de multa correspondente ao décuplo do valor da contribuição condominial, mediante deliberação de três quartos dos Condôminos restantes.

Esta é uma ferramenta poderosa, mesmo sem regimento interno que detalhe as condutas antissociais.

 

A Lei nº 4.591/64 e sua Aplicação Residual

A Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, que dispõe sobre o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias, foi parcialmente derrogada pelo Código Civil de 2002.

No entanto, muitos de seus dispositivos ainda se aplicam, especialmente aqueles que não conflitam com o novo Código ou que tratam de matérias não abordadas por ele de forma exaustiva.

Por exemplo, aspectos relativos à instituição do condomínio, direitos e obrigações dos Condôminos, e a própria necessidade da Convenção (art. 9º) são reforçados por esta lei.

Em um cenário sem convenção, as disposições da Lei 4.591/64 que detalham o funcionamento básico e os direitos e deveres podem ser invocadas subsidiariamente.

É crucial entender que, embora a legislação geral forneça um arcabouço, ela não substitui a riqueza de detalhes e a personalização que uma Convenção e um Regimento Interno bem elaborados podem trazer, adequando as regras às particularidades de cada condomínio.

A lei geral oferece o mínimo necessário para a coexistência e a administração, mas a ausência das normas internas específicas frequentemente leva a interpretações diversas e à necessidade de recorrer ao Judiciário para dirimir questões que poderiam ser facilmente resolvidas internamente.

Conflitos Comuns em Condomínios sem Regulamentação Interna e a Aplicação da Legislação Geral.

A ausência de um Regimento Interno detalhado e de uma Convenção clara potencializa o surgimento de conflitos no cotidiano condominial.

 

Nessas situações, a legislação geral, principalmente o Código Civil, oferece os parâmetros para a busca de soluções. Vejamos alguns exemplos práticos:

 

1. Barulho Excessivo

O barulho é uma das fontes mais recorrentes de atrito em condomínios. Festas ruidosas em horários inadequados, arrastar de móveis, latidos incessantes de cães, obras fora do permitido (mesmo que não haja um “permitido” formalmente estabelecido) podem perturbar o sossego dos vizinhos.

 

• Aplicação da Lei

O artigo 1.336, inciso IV, do Código Civil estabelece como dever do Condômino “dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”.

 

O direito ao sossego é uma garantia fundamental

Mesmo sem um regimento que estipule horários de silêncio, o bom senso e a legislação sobre o direito de vizinhança (artigos 1.277 a 1.281 do Código Civil) devem prevalecer.

O art. 1.277 assegura ao proprietário o direito de fazer cessar as interferências prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde dos que o habitam, provocadas pela utilização de propriedade vizinha.

 

• Ação do Síndico/Condômino

O Síndico deve, inicialmente, tentar a mediação, notificando o Condômino barulhento e buscando um acordo.

Se a perturbação persistir, pode aplicar as sanções previstas no Código Civil (advertência e, em caso de reiteração e gravidade, multa, conforme art. 1.337, se a conduta for considerada antissocial e houver deliberação assemblear).

O Condômino prejudicado também pode buscar seus direitos individualmente, inclusive judicialmente, com base no direito de vizinhança.

 

2. Uso Inadequado de Áreas Comuns (Piscina, Salão de Festas, Garagem)

Sem regras claras sobre horários de funcionamento, número de convidados, trajes adequados para a piscina, reserva do salão de festas, ou uso de vagas de garagem (especialmente as de uso comum ou indeterminadas), os problemas são inevitáveis.

 

• Aplicação da Lei

O artigo 1.335, inciso II, do Código Civil garante ao Condômino o direito de “usar das partes comuns, conforme a sua destinação, e contanto que não exclua a utilização dos demais compossuidores”.

Este princípio da não exclusão e do uso conforme a destinação é a chave.

O uso da piscina para uma festa particular que impeça outros de usá-la, ou a utilização de uma vaga de garagem comum como depósito, seriam exemplos de uso inadequado.

 

• Ação do Síndico/Condômino

O Síndico deve intervir para coibir o uso abusivo, orientando os Condôminos e, se necessário, convocando uma assembleia para deliberar sobre regras mínimas de uso, mesmo que ainda não formalizadas em um regimento.

A assembleia, com base no poder de decisão da coletividade, pode estabelecer normas provisórias.

Se um Condômino se sentir lesado pelo uso inadequado de outro, pode requerer a intervenção do Síndico ou buscar amparo legal.

 

3. Inadimplência das Cotas Condominiais

A falta de pagamento das despesas condominiais compromete a saúde financeira do condomínio, afetando a todos.

 

• Aplicação da Lei

Como já mencionado, o artigo 1.336, §1º, do Código Civil, estabelece a sujeição do inadimplente a juros de 1% ao mês (se não houver convenção estipulando outro percentual dentro dos limites legais) e multa de até 2% sobre o débito.

O condomínio, representado pelo Síndico, tem o direito e o dever de cobrar os inadimplentes, podendo inclusive ingressar com ação de execução, pois as cotas condominiais são consideradas título executivo extrajudicial (art. 784, X, do Código de Processo Civil).

 

• Ação do Síndico

O Síndico deve realizar a cobrança administrativa e, persistindo a inadimplência, buscar a cobrança judicial. Mesmo sem convenção, a obrigação de pagar as despesas decorre da lei e da própria natureza da copropriedade.

 

4. Realização de Obras nas Unidades Privativas e Áreas Comuns

Obras que afetam a estrutura do prédio, que geram entulho excessivo ou que são realizadas em horários de descanso causam grandes transtornos.

 

• Aplicação da Lei

O artigo 1.336, inciso II, do Código Civil, veda a realização de obras que comprometam a segurança da edificação. Obras em unidades privativas que alterem a estrutura (remoção de paredes, por exemplo) exigem análise técnica (ART/RRT de profissional habilitado) e, idealmente, comunicação ao Síndico.

Obras em áreas comuns dependem de quóruns específicos em assembleia, conforme a natureza da obra (necessária, útil ou voluptuária – art. 1.341 do CC).

 

• Ação do Síndico

O Síndico deve fiscalizar as obras, exigindo a documentação técnica necessária para obras estruturais e coibindo aquelas que coloquem em risco a edificação ou perturbem excessivamente os demais. Para obras em áreas comuns, deve seguir os ritos de convocação e deliberação assemblear previstos no Código Civil.

 

5. Presença de Animais de Estimação

A permanência de animais em condomínios é um tema sensível.

A proibição genérica de animais é considerada ilegal pela jurisprudência majoritária, desde que o animal não cause perturbação ao sossego, à segurança ou à salubridade dos demais.

 

• Aplicação da Lei

Prevalece o direito de propriedade (art. 1.228 do CC).

A restrição só se justifica se o animal apresentar risco ou incômodo real e comprovado aos demais moradores (barulho excessivo, falta de higiene, agressividade).

O Síndico não pode proibir a presença de animais com base em uma convenção inexistente ou em uma regra informal.

 

• Ação do Síndico/Condômino

Se um animal específico estiver causando problemas, o Síndico deve notificar o proprietário para que tome as providências.

A questão deve ser tratada caso a caso, com base no bom senso e na comprovação do incômodo, e não em proibições genéricas.

 

6. Disputas por Vagas de Garagem

O uso de vagas de garagem, especialmente quando são insuficientes, de tamanhos diferentes ou quando há vagas presas, é fonte constante de conflito.

 

• Aplicação da Lei

Se as vagas forem unidades autônomas ou vinculadas às unidades, o direito de uso é do proprietário.

Se forem área comum, o uso deve ser disciplinado (idealmente pela Convenção e Regimento).

Na ausência, o Código Civil (art. 1.335, II) garante o uso conforme a destinação e sem excluir os demais.

O aluguel de vagas a estranhos, se não houver proibição expressa na convenção (inexistente no caso), é permitido, mas a preferência deve ser dada aos Condôminos (art. 1.338 do CC).

 

• Ação do Síndico

O Síndico pode mediar conflitos e propor em assembleia a definição de regras para sorteio, rodízio ou uso das vagas comuns, buscando uma solução que minimize os atritos, sempre respeitando o direito de propriedade e as disposições legais.

Em todos esses casos, a ausência de regulamentação interna específica exige do Síndico e dos Condôminos uma maior reliance na legislação geral, no bom senso, na capacidade de diálogo e, quando necessário, na busca por deliberações em assembleia para estabelecer regras mínimas de convivência, ainda que provisórias, até que a situação seja formalmente regularizada.

 

O Papel do Síndico na Ausência de Regulamentação

 

Gestão e Mediação

O Síndico, mesmo em um condomínio sem Convenção ou Regimento Interno formal, não está de mãos atadas.

Suas responsabilidades e poderes emanam diretamente do Código Civil (art. 1.348).

Sua atuação, nesse cenário, exige ainda mais habilidade de gestão, mediação e um profundo conhecimento da legislação geral.

 

Principais Atribuições e Posturas

 

1. Guardião da Lei Geral

Na ausência de normas internas, o Síndico deve zelar pelo cumprimento do Código Civil e da Lei nº 4.591/64.

Ele deve ser o primeiro a conhecer essas leis para orientar os Condôminos e aplicá-las nas situações cotidianas.

 

2. Mediador de Conflitos

A falta de regras claras aumenta o potencial de conflitos.

O Síndico deve atuar como um mediador imparcial, buscando soluções consensuais baseadas no bom senso e na legislação.

A comunicação clara e a tentativa de acordo extrajudicial devem ser priorizadas.

 

3. Administração Transparente

A elaboração de orçamentos, a prestação de contas e a gestão dos recursos do condomínio devem ser feitas com a máxima transparência, mesmo sem uma convenção que detalhe os procedimentos. As assembleias são o foro para essas discussões e aprovações.

 

4. Convocação de Assembleias Esclarecedoras

O Síndico deve utilizar as assembleias não apenas para as deliberações obrigatórias (contas, orçamento, eleição), mas também como um espaço para discutir problemas comuns, buscar soluções coletivas e, fundamentalmente, conscientizar os Condôminos sobre a necessidade de regularizar a situação, elaborando e aprovando uma Convenção e um Regimento Interno.

 

5. Aplicação de Sanções com Base Legal

Para infrações aos deveres condominiais previstos no Código Civil (como perturbação do sossego ou danos às áreas comuns), o Síndico pode aplicar as sanções legais, como advertências e multas (observando os limites e procedimentos do art. 1.336, §2º, e art. 1.337).

É crucial que essas sanções sejam bem fundamentadas e, se possível, precedidas de deliberação em assembleia para dar maior respaldo à decisão, especialmente para multas mais gravosas como a do Condômino antissocial.

 

6. Busca por Assessoria Jurídica

Dada a complexidade e a sensibilidade da situação, é altamente recomendável que o Síndico busque assessoria jurídica especializada para orientá-lo em suas decisões e, principalmente, no processo de regularização do condomínio.

 

Direitos e Deveres dos Condôminos

 

Como Agir e o Que Esperar

Os Condôminos também possuem um papel ativo na gestão e na busca por um ambiente harmonioso, mesmo sem a existência de normas internas detalhadas.

 

Direitos Fundamentais (Art. 1.335 do Código Civil)

• Usar, fruir e dispor livremente de suas unidades autônomas.

• Utilizar as partes comuns conforme sua destinação e sem impedir o uso pelos demais.

• Votar e participar das deliberações das assembleias, desde que estejam quites com suas obrigações condominiais.

 

Deveres Essenciais (Art. 1.336 do Código Civil)

• Contribuir para as despesas do condomínio na proporção de suas frações ideais.

• Não realizar obras que comprometam a segurança da edificação.

• Não alterar a forma e a cor da fachada, das partes e esquadrias externas.

• Utilizar suas unidades de maneira a não prejudicar o sossego, a salubridade e a segurança dos demais possuidores, nem aos bons costumes.

 

Postura Ativa do Condômino

 

1. Conhecer a Legislação

Assim como o Síndico, o Condômino deve ter conhecimento básico da legislação que rege os condomínios para entender seus direitos e deveres.

 

2. Participar das Assembleias

A participação ativa nas assembleias é crucial. É nesse espaço que as decisões são tomadas, os problemas são discutidos e o futuro do condomínio é delineado.

É também o local para cobrar transparência do Síndico e propor soluções, incluindo a regularização das normas internas.

 

3. Buscar o Diálogo

Antes de escalar um conflito, o Condômino deve tentar o diálogo com o vizinho ou com o Síndico para resolver a questão amigavelmente.

 

4. Formalizar Reclamações

Caso o diálogo não surta efeito, as reclamações ao Síndico devem ser feitas de forma clara e, se possível, por escrito, para registro.

 

5. Colaborar com a Regularização

Apoiar as iniciativas para a elaboração e aprovação da Convenção e do Regimento Interno é um dever de todos que desejam um condomínio mais organizado e seguro juridicamente.

 

O Suporte das Administradoras de Condomínios

As administradoras de condomínios podem desempenhar um papel de grande valia, especialmente em cenários de ausência de regulamentação interna.

Seu conhecimento técnico e jurídico pode auxiliar o Síndico e os Condôminos a navegar por essas águas turbulentas.

 

Como a Administradora Pode Ajudar

 

1. Assessoria na Aplicação da Lei

Orientar o Síndico sobre a correta aplicação do Código Civil e da Lei nº 4.591/64 nas questões do dia a dia.

 

2. Gestão Financeira e Contábil

Auxiliar na elaboração de orçamentos, na cobrança de cotas condominiais (inclusive de inadimplentes, dentro dos parâmetros legais) e na prestação de contas, garantindo transparência.

 

3. Condução de Assembleias

Ajudar na convocação e condução de assembleias, assegurando que os procedimentos legais sejam seguidos, especialmente no que tange a quóruns e deliberações.

 

4. Elaboração de Minutas

Auxiliar na elaboração das minutas da Convenção Condominial e do Regimento Interno, baseando-se na legislação e nas melhores práticas, para serem submetidas à aprovação da assembleia.

 

5. Mediação de Conflitos

Algumas administradoras oferecem serviços de mediação, o que pode ser útil para resolver disputas de forma menos onerosa e mais rápida do que o recurso ao Judiciário.

É importante que o Síndico e os Condôminos escolham uma administradora com boa reputação e expertise comprovada em legislação condominial.

 

Caminhos para a Regularização

 

Elaborando a Convenção e o Regimento Interno

A solução definitiva para os problemas decorrentes da falta de regulamentação interna é, sem dúvida, a elaboração e aprovação da Convenção Condominial e do Regimento Interno.

Este processo, embora possa parecer complexo, é essencial para a segurança jurídica e a paz social no condomínio.

 

Passos para a Regularização

 

1. Conscientização e Mobilização

O primeiro passo é conscientizar os Condôminos sobre a importância e a necessidade da regularização.

O Síndico pode liderar esse processo, apresentando os problemas decorrentes da ausência de normas e os benefícios da formalização.

 

2. Formação de uma Comissão (Opcional)

Pode ser útil formar uma comissão de Condôminos para auxiliar na elaboração das minutas, coletando sugestões e anseios da comunidade.

 

3. Contratação de Assessoria Jurídica Especializada

É altamente recomendável contratar um advogado especializado em direito condominial para redigir ou revisar as minutas da Convenção e do Regimento Interno.

Isso garante que os documentos estejam em conformidade com a legislação vigente e que abordem adequadamente as particularidades do condomínio.

 

4. Elaboração da Minuta da Convenção

A minuta da Convenção deve seguir os requisitos do Código Civil (art. 1.334) e da Lei nº 4.591/64 (art. 9º), definindo aspectos como a discriminação das unidades e áreas comuns, fração ideal, destinação, forma de administração, rateio de despesas, assembleias, sanções, etc.

 

5. Elaboração da Minuta do Regimento Interno

A minuta do Regimento Interno detalhará as regras de convivência, uso de áreas comuns, horários, etc.

Deve ser compatível com a Convenção e com a legislação.

 

6. Divulgação e Discussão das Minutas

As minutas devem ser amplamente divulgadas entre os Condôminos com antecedência, permitindo que todos leiam, analisem e apresentem sugestões de alteração.

 

7. Convocação da Assembleia Geral Extraordinária (AGE)

O Síndico deve convocar uma AGE específica para discussão e aprovação da Convenção e do Regimento Interno. O edital de convocação deve ser claro quanto à pauta.

 

8. Aprovação em Assembleia

 

• Convenção

Para aprovação da Convenção (ou sua instituição, no caso de inexistência), o Código Civil (art. 1.333) exige a subscrição por titulares de, no mínimo, dois terços (2/3) das frações ideais.

Para alteração da convenção já existente, o quórum é de dois terços dos votos dos Condôminos (art. 1.351 do CC).

 

• Regimento Interno

O quórum para aprovação do Regimento Interno geralmente é estabelecido na Convenção.

Se a Convenção for omissa ou estiver sendo aprovada juntamente, pode-se adotar o quórum de maioria simples dos presentes na assembleia, ou um quórum qualificado se assim deliberado.

Contudo, é praxe que o Regimento Interno seja aprovado por maioria simples após a instituição da Convenção.

 

9. Registro da Convenção

Após a aprovação, a Convenção Condominial deve ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis da circunscrição do imóvel para ter validade contra terceiros e conferir regularidade formal ao condomínio (art. 1.333, parágrafo único, do CC).

 

SINDICOND - SE

 

A Busca pela Harmonia e Segurança Jurídica

A ausência de uma Convenção Condominial e de um Regimento Interno representa um desafio significativo para a gestão e a convivência em condomínios. No entanto, não configura um cenário de anomia.

A  legislação brasileira, em especial o Código Civil, fornece as diretrizes mestras que devem nortear a conduta de Síndicos, Condôminos e administradoras, garantindo direitos, estabelecendo deveres e oferecendo mecanismos para a resolução de conflitos e para a administração do bem comum.

O Síndico, amparado pela lei, deve exercer uma liderança proativa, pautada na mediação, na transparência e no estrito cumprimento das normas gerais.

Os Condôminos, por sua vez, devem ser participativos, conscientes de seus papéis e colaborativos na busca por soluções.

As administradoras podem oferecer um suporte técnico e jurídico valioso nesse processo.

Contudo, a aplicação da legislação geral, embora essencial, não substitui a clareza, a especificidade e a segurança jurídica que uma Convenção e um Regimento Interno bem elaborados e devidamente aprovados proporcionam.

A regularização desses documentos é o caminho mais seguro e eficaz para prevenir litígios, facilitar a gestão, promover a harmonia e valorizar o patrimônio de todos.

Trata-se de um investimento na qualidade de vida e na tranquilidade da comunidade condominial, permitindo que todos saibam exatamente quais são as regras do jogo e como devem agir para o bem-estar coletivo.

 

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