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Biometria Facial em Condomínios: Conveniência, Riscos e a LGPD

Biometria Facial em Condomínios: Conveniência, Riscos e a LGPD

Imagem de Freepik

 

A tecnologia de reconhecimento facial ganha espaço no controle de acesso, mas levanta debates sobre privacidade e segurança.

Entenda como funciona, os riscos envolvidos e o que diz a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

A chegada ao condomínio sem chaves ou cartões, com o portão se abrindo “magicamente” ao reconhecer seu rosto, já é realidade em muitos lugares.

A biometria facial, tecnologia que permite identificar pessoas por meio de suas características faciais únicas, promete mais segurança e praticidade.

No entanto, sua implementação acende um alerta importante sobre privacidade, segurança dos dados e conformidade com a legislação, especialmente a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD - Lei nº 13.709/2018).

 

Como Funciona o Reconhecimento Facial?

De forma simplificada, o processo envolve algumas etapas principais:
 
  1. Captura: Câmeras específicas registram a imagem do rosto.
  2. Análise: Um software analisa a imagem, extraindo pontos e medidas únicas (como distância entre os olhos, formato do nariz, contorno da mandíbula).
  3. Conversão: Essas características são frequentemente convertidas em um código numérico ou “template” biométrico (hash), que representa matematicamente o rosto. Geralmente, é esse código, e não a foto original, que é armazenado para comparação.
  4. Comparação: O código gerado é comparado com os códigos armazenados no banco de dados de pessoas autorizadas (moradores, funcionários, visitantes pré-cadastrados).
  5. Decisão: Se houver correspondência dentro de uma margem de segurança, o sistema libera o acesso. Caso contrário, o acesso é negado.
 
Muitos sistemas modernos incluem tecnologias de “detecção de vida” (liveness detection) para tentar impedir fraudes com o uso de fotos ou vídeos.
 

Benefícios Alegados vs. Riscos Reais

As empresas que oferecem a tecnologia e os condomínios que a adotam costumam destacar benefícios como:
  • Segurança Aumentada: Dificulta a entrada de pessoas não autorizadas.
  • Conveniência: Elimina a necessidade de carregar chaves, cartões ou tags.
  • Controle de Acesso: Permite um registro mais preciso de quem entra e sai.
 
Contudo, esses benefícios precisam ser ponderados com os riscos inerentes, especialmente considerando a sensibilidade dos dados biométricos:
 
• Vazamento de Dados Sensíveis:
O rosto é um dado biométrico, classificado como sensível pela LGPD. Diferente de uma senha ou cartão que pode ser trocado, nosso rosto é imutável.
Um vazamento desses dados pode ter consequências devastadoras e permanentes, como roubo de identidade, acesso indevido a outras contas (bancárias, governamentais) e até mesmo perseguição ou discriminação.
 
• Uso Indevido e Vigilância:
Existe o risco de os dados coletados para controle de acesso serem utilizados para outras finalidades não informadas ou consentidas, como monitoramento excessivo dos hábitos dos moradores ou compartilhamento com terceiros.
 
• Falhas de Segurança:
Sistemas mal implementados ou empresas fornecedoras com baixos padrões de segurança podem ser alvos fáceis para ataques cibernéticos, expondo os dados biométricos.
 
• Falhas Tecnológicas e Vieses:
A tecnologia não é infalível.
Podem ocorrer erros de reconhecimento (falsos positivos ou negativos).
Além disso, alguns algoritmos podem apresentar vieses, tendo menor precisão para determinados grupos étnicos, gêneros ou idades, o que pode gerar situações discriminatórias ou impedir o acesso legítimo.
 
• Falta de Alternativas e Consentimento Viciado:
A LGPD preza pelo consentimento livre e informado para dados sensíveis. Impor a biometria facial como único método de acesso, sem oferecer alternativas (como cartão, tag ou chave), pode coagir o morador a fornecer seus dados sensíveis e invalidar o consentimento.
 

A LGPD e a Biometria Facial em Condomínios

A Lei Geral de Proteção de Dados é clara ao tratar dados biométricos como sensíveis, exigindo um nível maior de proteção e justificativas legais mais robustas para seu tratamento (Art. 11). As bases legais mais discutidas para o uso em condomínios são:
 
1. Consentimento (Art. 11, I): É a base legal preferível para dados sensíveis. O condomínio deve obter o consentimento explícito, livre, informado e específico de cada morador, funcionário ou visitante frequente. Crucialmente, deve haver a possibilidade real de recusar o consentimento sem sofrer prejuízos, o que implica a necessidade de oferecer métodos alternativos de acesso.
 
2. Garantia da Prevenção à Fraude e Segurança do Titular (Art. 11, II, ‘g’): Alguns argumentam que a biometria seria essencial para a segurança. No entanto, essa base legal é restrita a casos onde o tratamento é estritamente necessário para a finalidade e desde que prevaleçam os direitos e liberdades fundamentais do titular. É questionável se a biometria facial é sempre a única ou a melhor forma de garantir a segurança, especialmente se alternativas menos invasivas existirem.
 
Além da base legal, o condomínio (controlador dos dados) deve observar todos os princípios da LGPD (Art. 6º), como:
  • Finalidade: Usar os dados apenas para o controle de acesso informado.
  • Necessidade: Coletar e tratar apenas os dados estritamente necessários.
  • Transparência: Informar claramente sobre todo o processo de tratamento dos dados.
  • Segurança: Adotar medidas técnicas e administrativas para proteger os dados.

 

O condomínio também é responsável por garantir que a empresa fornecedora (operadora) cumpra a LGPD.
 

Conclusão: Cautela e Conformidade são Essenciais

A biometria facial pode oferecer conveniência, mas sua implementação em condomínios não deve ser feita de forma apressada ou sem uma análise profunda dos riscos e das obrigações legais. Antes de adotar a tecnologia, síndicos e administradores devem:
  • Avaliar a real necessidade e se existem alternativas menos invasivas.
  • Consultar os moradores e buscar o consentimento informado como base legal preferencial.
  • Garantir a oferta de métodos alternativos de acesso.
  • Escolher fornecedores que demonstrem conformidade com a LGPD e robustas práticas de segurança.
  • Ser transparente com os titulares sobre como seus dados serão tratados.
  • Elaborar uma política de privacidade clara e, possivelmente, um Relatório de Impacto à Proteção de Dados (RIPD).

 

A segurança física não pode atropelar a segurança digital e a privacidade dos indivíduos. A conformidade com a LGPD não é apenas uma obrigação legal, mas uma demonstração de respeito aos direitos fundamentais dos Condôminos.

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