Condomínios podem vetar uso de imóvel para Airbnb? Entenda!

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Se a edificação é para fim estritamente residencial, as unidades condominiais não podem servir para hospedagens. Saiba mais sobre o assunto!
Quem deseja alugar apartamentos para uso de Airbnb, ou plataformas semelhantes, deve antes assegurar que a Convenção e o Regimento Interno do condomínio permitam o uso de unidades particulares para usos que não o residencial. Caso contrário, o imóvel pode ser proibido de receber hóspedes.
O tema ganhou força com o julgamento do Recurso Especial 1.819.075 pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em maio de 2021, diante de um caso em que pessoas sem vínculo entre si contrataram hospedagem em uma unidade condominial em plataformas digitais.
Na ocasião, os contratantes enfrentaram um cenário de fracionamento precário do imóvel para uso privativo e um conforto limitado, tendo os ministros entendido que não houve profissionalismo por parte do proprietário ao oferecer o serviço.
Como a Convenção do condomínio em questão impunha destinação residencial às unidades, considerou-se indevido o uso do imóvel mediante "contrato atípico de hospedagem". A decisão criou jurisprudência, significando que os tribunais podem considerá-la para fundamentação (documentação) em outros julgamentos.
Isso pode ser um problema para plataformas como o Airbnb, que não são legalmente reguladas e às quais a Justiça ainda não tem uma posição consolidada quanto à possibilidade de disponibilizarem o serviço em apartamentos residenciais.
Afinal, como fica a situação do Airbnb?
Diante da mencionada decisão do STJ, muitas pessoas pensaram que os condomínios poderiam vetar o uso de unidades como Airbnb, mas não é bem assim. A confusão quanto a essa permissão tem sua origem na destinação do uso do imóvel, o que ainda não é um consenso entre os tribunais no caso dos serviços fornecidos por essas plataformas.
Para entender melhor, é preciso primeiro reconhecer as diferenças entre locação residencial para temporada e hospedagem.
"A Lei 8.245/1991 considera locação para temporada aquela contratada por prazo não superior a 90 dias, destinada à residência temporária do locatário para prática de lazer, realização de obras em outro imóvel, tratamento de saúde, dentre outras possibilidades que decorram tão somente por determinado tempo", diz a advogada Camila Marcondes do Amaral Zynger, sócia no escritório NDF Advogados.
A Lei 11.771/2008, por sua vez, determina como meios de hospedagem os empreendimentos destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de uso exclusivo do hóspede, que disponibilizam outros serviços necessários aos usuários – denominados de serviços de hospedaria.
A locação por temporada implica, assim, na ocupação temporária do imóvel em curto espaço de tempo e não desconfigura a finalidade residencial do imóvel. Portanto, se é esse o tipo se serviço ofertado pela plataforma, condomínios que exigem destinação estritamente residencial devem permitir a locação.
O contrato de hospedagem, por outro lado, inclui múltiplas prestações devidas pelo fornecedor ao hóspede e é caracterizado pela finalidade não-residencial. Portanto, não seria permitido em casos de prédios cuja destinação é residencial.
No caso do Recurso Especial 1.819.075, o serviço ofertado pela plataforma não seria nem locação por temporada, nem hospedagem: no olhar da Quarta Turma, o sistema de reserva de imóveis seria uma espécie de contrato atípico de hospedagem.
Apesar do parecer, o entendimento não se aplica a todos os imóveis de todas as plataformas – a definição varia de caso para caso. O que não se pode, definitivamente, é estabelecer na unidade uma destinação diferente daquela do condomínio – norma definida pelo inciso IV do Art. 1.336 do Código Civil.
Essas destinações ficam a cargo da Convenção e do Regimento Interno, que têm força de lei. "Existindo na Convenção de Condomínio regra impondo destinação residencial, é inviável o uso que implique a descaracterização dessa finalidade", diz Camila.
"De fato, não há um consenso sobre o tipo de serviço ofertado por plataformas como o Airbnb. O que fica claro é que agora [a destinação do uso do imóvel] depende muito mais de uma particularidade de cada condomínio", complementa Pedro Xavier, diretor da Administradora CASA, administradora de condomínios e imóveis.
Segundo ele, casos como o do Recurso Especial 1.819.075 podem levar à regulamentação das plataformas e devem exercer impacto na forma que os condomínios irão se organizar daqui em diante. "Refiro-me aos novos empreendimentos que estão sendo construídos e até mesmo a condomínios já instituídos que anseiam por alterações na Convenção e no Regimento conforme os interesses dos proprietários e moradores", diz.
Assim, independentemente da maneira com que são realizadas a publicidade ou as contratações (plataformas, imobiliárias, anúncios em jornais, panfletagens ou outros), é necessário que se respeite a destinação do imóvel.
Mas há uma brecha: mesmo que as normas sejam contrárias ao uso de apartamentos para fins de hospedagem, os moradores podem deliberar em assembleia, por maioria qualificada, a utilização das unidades condominiais para fins de hospedagem atípica – o que vai além do uso estritamente residencial.
Outros deveres
O Art.1336 do Código Civil discorre também sobre outros deveres dos condôminos, incluindo a não uso das partes "de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes".
"Ou seja, o direito de propriedade do condômino deve estar em harmonia com os direitos relativos à segurança, ao sossego e à saúde nas demais propriedades do condomínio", diz Camila.
Para Pedro, as normas estabelecidas no Código Civil poderiam dificultar o funcionamento serviços de Airbnb e demais plataformas. "A partir do momento que você disponibiliza a sua unidade como Airbnb, caso o condomínio não esteja preparado, isso pode ser um desafio e até mesmo um prejuízo à segurança e ao sossego dos demais condôminos, ferindo os deveres do condômino conforme o Art. 1.336", comenta.
Frente a eventuais abusos dessa natureza, vizinhos incomodados podem levar o caso à análise do Poder Judiciário, independentemente da modalidade pela qual é feita a publicidade ou contratação do negócio associado àquela unidade condominial.
Quanto às consequências para o proprietário do imóvel, o condômino que não cumprir os deveres estabelecidos nos incisos II a IV do Art. 1.336 do Código Civil, pagará a multa prevista no ato constitutivo ou na convenção, não podendo ela ser superior a cinco vezes o valor de suas contribuições mensais. Para mais detalhes, clique aqui.
Além da questão do uso prejudicial do imóvel, abordado acima, a multa mencionada será aplicada em casos de obras que comprometam a segurança da edificação ou de alteração da forma e da cor da fachada, das partes e esquadrias externas.
O que diz o Airbnb
Com 4 milhões de anfitriões que já receberam mais de 1,5 bilhão de hóspedes em quase todos os países do mundo, o Airbnb encara o Recurso Especial 1.819.075 como caso pontual e específico. "A decisão mencionada não representa a proibição da locação via Airbnb ou outras plataformas digitais em condomínios de maneira geral", disse a empresa em comunicado por e-mail enviado à Casa e Jardim.
Segundo ele, a locação por temporada no Brasil é permitida por lei e está expressamente prevista na Lei do Inquilinato, não se configurando em atividade hoteleira, e proibir ou restringir a locação por temporada violaria o direito constitucional de propriedade de quem aluga o seu imóvel.
Defendeu-se ainda que, na legislação brasileira, as atividades da Comunidade de Anfitriões do Airbnb no Brasil são legalmente amparadas por normas federais, destacando-se: o Direito Constitucional à Propriedade, garantido no Art. 5º, XXII da Constituição Federal; o Código Civil Brasileiro, em especial o Capítulo V de seu Título VI, que regulamenta a locação das coisas; e a Lei do Inquilinato (Lei 8.245, de 18/10/1991), que institui a modalidade da locação por temporada em seu Artigo 48.
"É importante notar que tal lei não define qualquer prazo mínimo para a locação por temporada, somente o prazo máximo, que é de 90 dias. Para esclarecer eventuais dúvidas que possam existir sobre o aluguel por temporada realizado via plataforma digital em condomínios, os direitos e os deveres dos proprietários de imóveis, o Airbnb desenvolveu uma página dedicada ao tema Aluguel por Temporada em Condomínios", fala o comunicado da empresa.
Fonte: revistacasaejardim.globo.com